São Josafat foi mártir pela união da Igreja de Cristo, isto é, da união entre a Igreja ortodoxa e a Igreja católica. Por esse ideal ele derramou seu sangue, doou a sua vida.
Além disso, São Josafat foi o restaurador da vida religiosa basiliana em terras eslavas e propriamente ter sido, junto com o metropolita José Veliamyn Rutskyi, o fundador da Ordem de São Basílio Magno, tal como ela é hoje e que justamente carrega também a denominação de “Ordem Basiliana de São Josafat”.
São Josafat era ucraniano de família e de nascimento, pois nasceu em território ucraniano, embora esse território pertencesse na época ao Reino Polono-Lituano. Mas ele também pode ser considerado santo de outras duas nações. É santo da Lituânia, pelo fato de ter ingressado na vida religiosa no mosteiro da Santíssima Trindade em Vilnius, capital da Lituânia, e a partir desse mosteiro ele promoveu a restauração da Ordem Basiliana. É santo também dos bielorussos, pois foi bispo de Polotsk e foi martirizado em Vitebsk, ambas as cidades situadas na Bielorússia (ou Belarus, segundo o nome atual). Enfim, por ter sido elevado à glória dos altares, ele é santo de toda a Igreja de Cristo.
Josafat, no batismo João Kuntsevytch, nasceu na cidade de Volodymyr, no noroeste da Ucrânia, na época importante centro comercial do Reino Polono-Lituano. A data exata de seu nascimento não está documentada: é um dia entre os anos 1579 e 1580. Seus pais chamavam-se Gabriel e Marina, e a família, segundo consta, era de pequenos comerciantes de cereais. A mãe ocupava-se da educação dos filhos e ela instilou uma profunda piedade no coração de João.
A família Kuntsevytch, como a imensa maioria na região, era de confissão ortodoxa. Em consequência de diversas influências, João, já na sua juventude, consolidou a convicção de aderir à fé católica. Com seus treze ou quatorze anos de idade, João Kuntsevytch foi enviado por seus pais para Vilnius, capital da Lituânia, para trabalhar com um rico comerciante e membro do governo lituano, Jacinto Popovytch, e aperfeiçoar-se na arte do comércio. Em Vilnius, uma cidade cosmopolita sob o aspecto religioso, onde conviviam as diversas confissões cristãs – protestantes, católicos e ortodoxos – João entrou em uma fase de escolhas decisivas em sua vida. Em sua consciência tomava corpo uma crucial pergunta: qual era a verdadeira Igreja de Cristo? Em face das divisões da Igreja, qual delas deveria ele seguir? Deveria permanecer fiel à Igreja Ortodoxa de sua família?
Decisivamente importantes para João foram os padres jesuítas que tinham uma Academia Teológica em Vilnius e com quem ele gostava de se aconselhar. Foram eles que lhe mostraram o caminho: ele poderia ser católico, sem abandonar a sua tradição cristã oriental. Justamente naquele tempo, em 1596, os bispos ucranianos da metropolia de Kiev, reunidos no sínodo de Brest, cidade próxima a Vilnius, declararam a sua fé católica, reconhecendo o Papa como Vigário de Cristo e chefe da Igreja, mas conservando toda uma tradição oriental, de fonte bizantina, que lhes era muito cara. A União de Brest foi a luz que fez João dar o passo decisivo em sua vida.
Segundo o testemunho dos padres, João rezou muito, pedindo a luz de Deus, e chegou à conclusão de que o seu caminho estava na Igreja católica de rito oriental. Já então conscientizou-se de que a Igreja de Cristo deveria constituir, segundo o desejo de nosso Salvador, um só rebanho, conduzido por um só pastor.
Desde então, João começa a frequentar a igreja da Santíssima Trindade em Vilnius que, após a União de Brest, havia aderido à fé católica. A igreja era atendida pelos monges do mosteiro anexo da Santíssima Trindade, que seguiam a espiritualidade de São Basílio Magno. Aos poucos, João tornou-se um participante muito ativo das celebrações na igreja: fazia as vezes de cantor, leitor, sacristão, tocava os sinos, sempre com dedicação e piedade. A sua participação nessa igreja fê-lo dar outro passo na sua vida.
A entrada no mosteiro
Frequentando a igreja da Santíssima Trindade, com o mosteiro anexo, João chegou a uma ulterior decisão: ingressar no mosteiro e seguir a vida monástica. O mosteiro seguia as Regras de São Basílio Magno como itinerário de sua espiritualidade, era autônomo, isto é, não unido em uma confederação ou Ordem como instituição. Esse era o padrão da vida monástica em todo o Oriente. O mosteiro da Santíssima Trindade estava, porém, em total decadência e abandono: os monges eram poucos e se vivia ali uma vida mais mundana que religiosa.
João não se preocupa com o estado do mosteiro; suas convicções são firmes e ele decide deixar uma carreira promissora no mundo e enfrentar as incertezas que se descortinavam diante dele. Em 1604 João encontra um quarto num cantinho do mosteiro e ali se estabelece: faz faxina, arruma algumas coisas, e daí se dedica exclusivamente à oração e ao estudo. Inicia como que um noviciado pessoal, tempo de iniciação na vida religiosa, sem se preocupar muito com o que acontecia no restante do mosteiro. Seus orientadores são os padres jesuítas da Academia de Vilnius. Ele não contava com uma estrutura que favorecesse a sua formação, nem com exemplos que pudesse seguir. Pelo contrário, só encontrou contratestemunho nos monges do mosteiro. Mas Josafat (esse nome ele assumiu ao entrar no mosteiro) conseguiu, por esforço próprio, uma sólida formação, sob o aspecto espiritual, intelectual e teológico.
Josafat passa assim três anos preparando-se exclusivamente para a missão que iria enfrentar. Na solidão dedica-se à oração, à leitura, particularmente da vida dos santos Padres. De grande importância para a sua formação foram os livros litúrgicos que se constituíram para ele em manuais tanto de oração como de estudo de teologia. É certo que Josafat, após o ingresso no mosteiro, fez pelo menos um curso de teologia com os padres jesuítas da Academia de Vilnius. Tendo tudo isso como fundamento, vem a tornar-se uma personalidade de muito respeito em seu meio quanto à sabedoria teológica e religiosa em geral. Mais tarde, já como sacerdote, suas prédicas são cativantes, sabe conversar em alto nível com a elite da cidade, discutir questões doutrinais com os peritos, como também sabe conversar com o povo simples.
Josafat, Rutskyi e a Ordem Basiliana
Com o ingresso de Josafat no mosteiro, entra em cena outro personagem que foi muito importante na história da Igreja ucraniana e da Ordem de São Basílio Magno. Foi ele José Veliamyn Rutskyi. Rutskyi procedia de uma família nobre que lhe possibilitou estudar no Ocidente, principalmente em Roma, onde adquiriu grande prestígio até perante o Papa. Foi justamente o Papa Clemente VIII que lhe sugeriu passar para o rito bizantino e lhe propôs uma grande missão na sua terra natal: fortalecer a União de Brest, restaurar a Igreja bizantino-católica que estava em profunda decadência, sobretudo por causa da má formação do clero. Rutskyi torna-se o grande amigo, companheiro e colaborador de Josafat, tanto na restauração da vida monástica como na obra da união.
Os dois, Josafat como sacerdote e Rutskyi como bispo, fundaram, no ano de 1617, a Congregação da Santíssima Trindade, coligando em uma confederação 5 mosteiros da região. A partir de 1743, a “Congregação” mudou sua denominação para Ordem de São Basílio Magno.
Josafat sacerdote e bispo
Josafat foi ordenado sacerdote em 1608 ou, talvez, no início de 1609. Cabe esclarecer de início que a ação pastoral de Josafat como sacerdote e como bispo desenvolveu-se propriamente não entre os ucranianos, e sim na Lituânia e Bielorússia. No entanto, esse território – dentro do Reino Polono-Lituano – pertencia à Metropolia de Kiev, a grande sede da Igreja da Ucrânia, que naqueles tempos chamava-se ainda “Rush”.
Como sacerdote e como bispo, Josafat encarnava exemplarmente a imagem do “bom pastor” apregoada por Cristo: o pastor que conhece e ama suas ovelhas, vai atrás das desgarradas e perdidas, as defende contra lobos e, enfim, dá a sua vida pelas ovelhas.
Por causa de seu zelo e ação pastoral, seus adversários ortodoxos o chamavam de “rapinador de almas” (Dushekhvat, em ucraniano) ou literalmente “ladrão de almas”. Em outras palavras, acusavam-no de “roubar” almas da Igreja Ortodoxa e as atrair para a Igreja Católica uniata. Suas pregações atraíam ouvintes de todas as camadas da população: sabia mesmo adaptar-se a todos. Até pessoas de outras confissões, como ortodoxos e protestantes, vinham ouvi-lo, pois nas suas palavras ecoava a verdadeira força do Evangelho.
Um dos pontos marcantes da atividade pastoral de Josafat foi o sacramento da penitência-confissão. Pode-se dizer que ele renovou, no meio onde atuava, a prática da confissão que naqueles tempos estava quase que totalmente abandonada entre os cristãos orientais. Para Josafat, o sacramento da penitência era um instrumento, tanto para o revigoramento e promoção da vida cristã entre o povo, como também um instrumento de promoção da união da Igreja através de conversões.
Josafat foi nomeado bispo em 1617, primeiramente como coadjutor do arcebispo de Polotsk, na Bielorússia (então Reino Polono-Lituano) e, no ano seguinte, arcebispo titular de Polotsk. Quem fez todos os esforços para promover Josafat ao bispado foi seu amigo e colega José V. Rutskyi, que naquele tempo já era bispo metropolita de Kiev. Rutskyi, conhecendo, é claro, toda a envergadura espiritual de Josafat, quis envolvê-lo num projeto maior, isto é, da renovação da Igreja Católica em terras da Rush. Josafat, na sua humildade, relutou muito em aceitar a missão, deixar a tranquilidade do mosteiro e enfrentar a realidade conturbada de uma Igreja que, naquele tempo, vivia divisões e conflitos profundos. Talvez até antevia que seu bispado iria durar apenas seis anos e que iria exigir dele o sacrifício de sua vida. Mas, acima de tudo, seu ideal era também a unidade da Igreja, o que fê-lo aceitar os desafios da missão.
Assumindo a diocese, Josafat põe-se de imediato à obra: um longo e penoso trabalho de restauração material e espiritual da Igreja, desde a reforma física de igrejas e outras instalações que estavam literalmente caindo aos pedaços, até à primazia dada à catequese, às escolas paroquiais, à renovação sacramental e litúrgica, com o objetivo de elevar o nível religioso e cultural do povo. Concomitantemente, Josafat promovia também uma ampla renovação do clero, que estava igualmente em estado de deplorável depressão religiosa e cultural, e mesmo moral. Em vista disso, Josafat compôs pessoalmente as Regras para os Sacerdotes e um catecismo para o povo.
Mas a grande obra e grande missão de Josafat no plano pastoral, foi a sua pregação e sua ação em prol da unidade da Igreja. O dito de Cristo “que todos sejam um” era o seu lema desde a juventude.
As convicções católicas de Josafat eram absolutamente fortes e firmes desde a sua juventude e sua vida no mosteiro em Vilnius. Como padre, ele conduziu uma intensa atividade de diálogo com os ortodoxos, participando de discussões com as suas lideranças e não se eximia de acesas polêmicas. Testemunhos disso são os seus escritos ainda como padre: “Sobre o primado de São Pedro” e “Sobre o batismo de Volodymyr”.
Sobre a ação unionista de Josafat já como bispo, as testemunhas comprovam que ele desenvolvia uma ação que, já naquele tempo, era norteada pelo atual espírito do Concílio Vaticano II. Jamais ele fez guerra contra os ortodoxos. Pelo contrário, seu agir em prol da união foi sempre fundamentada sobre a caridade. Josafat agia sempre com prudência e mansidão, jamais se permitia vingança. Até nas polêmicas não perdia a serenidade. Exultava com as conversões, entristecia-se com as obstinações, embora fosse sempre firme na defesa da fé. Sabia bem distinguir o erro da pessoa que erra: era movido pelo respeito a todos, enfim, pelo amor cristão.
Josafat apostava no diálogo e no entendimento. Via ele que na raiz dos desentendimentos e das controvérsias, e mesmo dos conflitos, está o desconhecimento mútuo, o distanciamento entre as partes, falta de contato, difusão de notícias falsas e acusações não comprovadas. Tudo isso poderia ser superado pelo diálogo e pelo esclarecimento da verdade. Por isso, ele fala da união da Igreja nas homilias, promove encontros e debates, escreve cartas e declarações, faz ler documentos da Igreja e, sobretudo, não se fecha em si mesmo, mas vai até o povo e conversa com as pessoas. Sendo bispo, ele aposta no contato direto com as pessoas. Fala com todos, não exclui ninguém, nem os ortodoxos, nem os protestantes, nem as camadas de elite, nem as pessoas simples.
O martírio
Josafat, ao assumir a arquidiocese de Polotsk, encontra nela um ambiente muito conturbado: ele vai sofrendo uma oposição cada vez mais forte, orquestrada por lideranças ortodoxas. Acusações contra Josafat: traição da grande tradição da Igreja de Rush-Ucrânia, perseguição dos ortodoxos, latinização da Igreja rush-ucraniana. A oposição torna-se cada vez mais belicosa, chega-se a confrontos, Josafat recebe várias vezes ameaças de morte.
Josafat percebe que Cristo pede dele a derradeira prova, um último sacrifício, o testemunho de sangue pela unidade da Igreja. E ele declara sua total disponibilidade para a vontade de Deus. Ele pede “que seja digno de aceitar a morte por Cristo, pela fé, pela união e pelo Chefe supremo da Igreja, o Santo Pontífice”.
A hora de seu grande sacrifício chegou no dia 12 de novembro de 1623. Era domingo e Josafat estava de visita na vizinha diocese de Vitebsk. Ele e sua comitiva estavam de saída da residência episcopal para celebrar a Divina Liturgia na igreja, quando perceberam o palácio cercado pela multidão insuflada pelos inimigos mortais do arcebispo. Não demorou para que a turba, gritando palavras de ódio, invadisse a residência e um golpe de machado na cabeça do arcebispo, completada por um tiro de pistola no peito, consumassem o sacrifício de vida de Josafat Kuntsevytch, uma vida oferecida pela unidade da Igreja de Cristo. Facadas e pauladas deixaram irreconhecível o corpo, que foi logo arrastado até o rio Dvina que corta a cidade. Aqui, pretendendo que seu corpo não fosse mais encontrado, amarraram pedras em torno do pescoço e dos pés, e o atiraram no rio.
O corpo de Josafat só foi encontrado cinco dias após. Com sua morte muitos sinais e milagres aconteceram, sobretudo inumeráveis conversões, inclusive de seus próprios assassinos e ferrenhos opositores.
A glória dos altares
Em 1917, com a Revolução Russa e o regime comunista já em marcha, o corpo de São Josafat foi transferido, por motivo de segurança, para Viena, Áustria. Em 1949 foi levado para Roma, onde tem o raro privilégio de permanecer na Basílica de São Pedro, como se Josafat quisesse vir pessoalmente render submissão a São Pedro no seu ideal de união da Igreja.
As primeiras iniciativas no sentido de elevar Josafat Kuntsevytch à glória dos altares começaram logo após a sua morte e se coroaram 240 anos após o seu martírio, em 1867, com a solene inscrição de seu nome no rol dos santos da Igreja Católica. Antes, foi declarado beato pelo Papa Urbano VIII em 1643 – 20 anos após a sua morte. E no dia 29 de junho de 1867 – festa de São Pedro – o Papa Pio IX proclamou Josafat como hieromártir (isto é, bispo mártir) da Igreja.