MONAQUISMO BASILIANO
A vida monástica, como especial vivência dos valores evangélicos e seguimento de Cristo, teve origem no Oriente e a partir do Oriente estendeu suas duradouras influências sobre toda a Igreja, concretizando-se nas mais diversas formas de vida consagrada e em uma enorme diversidade de instituições.
O início do monaquismo situa-se no final da grande e sangrenta perseguição de Diocleciano, no século IV. Considera-se Santo Antonio o Grande (251-356) como o iniciador da forma de vida monástica. Ele está à frente dos chamados padres do deserto que abandonavam o mundo para buscar a Deus no silêncio da natureza. Espalharam-se principalmente pelos ermos do Egito, Síria, Palestina e Mesopotâmia. Em torno deles reuniam-se discípulos, que aprendiam deles os fundamentos da espiritualidade, mas que viviam isoladamente em cavernas naturais ou em cabanas que construíam. Era a forma eremítica ou anacoreta de vida.
Posteriormente, os monges começaram a congregar-se em comunidades, sob a direção de um superior: era o monaquismo cenobítico, cujo fundador foi São Pacômio (c. 292-348), que inaugurou um primeiro mosteiro em Tebaida, no Egito.
São Teodoro Egípcio, discípulo de São Pacômio, inaugura uma terceira forma de vida monástica, um misto entre a anacorética e a cenobítica: eram as “lauras”, que se compunham de pequenas moradias dispostas em aleia ou em círculo em torno de uma igreja comum. Os monges viviam solitários, reunindo-se somente nos domingos e dias de festa para a liturgia comum. O resto do tempo passavam rezando e trabalhando no silêncio da solidão.
O monaquismo basiliano
São Basílio Magno (c.330-379) exerceu a mais importante influência no monaquismo oriental, com relevantes créditos também no tocante à vida monástica ocidental.[/vc_column_text][/vc_column]
Após o seu batismo, Basílio empreende uma longa viagem para o Egito, Síria, Palestina e Mesopotâmia, com o intuito de conhecer mais a fundo o movimento ascético-monástico nos lugares onde era mais difundido ainda do que na Ásia Menor. Foi uma grande oportunidade para tomar inspirações para a vida que pretendia levar.
Retornando da viagem, Basílio decide pôr em prática seus planos e para tanto escolhe um lugar ermo na Capadócia, chamado Annesi, às margens do rio Íris (hoje tem o nome de Yesilimark, na Turquia). É possível que Annesi fosse uma propriedade da família. De fato, Basílio segue para esse lugar com sua mãe Emélia, seu irmão Pedro, sua irmã Macrina e mais alguns amigos, a fim de iniciar uma vivência radical do Evangelho, uma vida de oração e obras de caridade. No início, pois, a comunidade de Basílio era um empreendimento meio “familiar”, mas que com o tempo tomou corpo e se tornou propriamente um vasto movimento monástico.
Basílio logo teve de deixar Annesi, para ouvir a voz da Igreja que o chamava ao seu serviço, à luta pela defesa da fé e ao árduo pastoreio do rebanho de Deus. No entanto, mesmo servindo a Igreja com total dedicação como bispo, Basílio não deixou de tutelar e guiar pessoalmente o movimento ascético-monástico iniciado por ele. O movimento que se alimentava de seus ensinamentos registrados nos seus escritos, foi crescendo e se espalhando por todo o território do Império Bizantino e para além dele, por todo o Oriente cristão, estendendo-se também para os territórios eslavos.
No século IX, o movimento basiliano recebeu um renovado impulso com São Teodoro Studita (c. 758 – c. 826): este pretendia recuperar o primitivo vigor do espírito de São Basílio, dotando os mosteiros de “constituições” com regras de vida mais práticas e mais coerentes, segundo ele, com as intenções de São Basílio.
Os princípios do monaquismo basiliano
São Basílio Magno está na origem do movimento monástico, não no sentido absoluto, pois o monaquismo já existia antes dele até na forma comunitária-cenobítica, mas está na origem de uma determinada forma desse estilo de vida, que se estendeu por todo o Oriente, com importantes influências também no monaquismo ocidental.
Os princípios do monaquismo basiliano estão contidos fundamentalmente no “Pequeno Asketikon” (ou “Regras Breves”) e no “Grande Asketikon” (ou “Regras Extensas”), com referências também em outras obras, como “Ética” (“Regras Morais”), “Sobre o Batismo” e outras mais. Os “Asketikons” foram escritos por Basílio já bispo e que têm o caráter mais de ensinamentos espirituais que de normas para quem deseje seguir Cristo de forma radical. Esses ensinamentos são totalmente deduzidos da Sagrada Escritura, são a própria Palavra de Deus aplicada à vida.
Por conseguinte, as “Regras” de São Basílio não são “regras” no sentido atual; não são “Constituições” ou “Estatutos” que configurem uma instituição. São Basílio não fundou nenhuma “Ordem” ou “Congregação” no sentido institucional ou canônico, como entendemos hoje. No entanto, devemos reconhecer que Basílio é o iniciador de um amplo movimento monástico e seus ensinamentos são fonte da espiritualidade monástica que marca uma determinada característica a esse movimento. Podemos dizer, no tocante ao lugar de São Basílio no monaquismo, que ele se define como “mestre” ou “guru”, e não “fundador”. E quais são as características ou princípios do monaquismo basiliano?
A vida em comunidade. Para Basílio, a vida em comunidade é inquestionavelmente superior à vida eremítica. Por uma simples razão: a essência do Evangelho de Cristo é a caridade, o amor a Deus e ao próximo. E como praticar a caridade vivendo sozinho?
A comunidade como comunhão carismática. A vida cenobítica-comunitária já existia antes de Basílio. Ele, no entanto, pretende imprimir um determinado fundamento e uma determinada forma para a comunidade monástica. E esse fundamento ele vai buscar exclusivamente na Sagrada Escritura. Para tanto, Basílio tem na Sagrada Escritura duas referências básicas e constantes para formar sua ideia de comunidade.
A primeira é a imagem da comunidade dos primeiros cristãos de Jerusalém, como descrito nos Atos dos Apóstolos (At 2, 42-47). Basílio crê firmemente na utopia cristã: é possível vivê-la concretamente, é possível existir uma fraternidade, uma comunidade de irmãos, na qual todos têm “todas as coisas em comum” e na qual há “uma só alma e um só coração”.
A segunda referência, pela qual Basílio tem uma verdadeira devoção, é a imagem da comunidade ou da Igreja como Corpo de Cristo, animado pelo Espírito Santo, como comunhão de carismas, conforme vem na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 12. Essa imagem ilumina todas as relações entre os membros da comunidade: são membros uns para os outros, sempre em função da unidade. Todo o dom é para o serviço aos irmãos, no sentido de complementariedade e unidade, para a construção da comunidade do Corpo de Cristo.
A primazia da Palavra de Deus. A Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura se entende como fonte de todas as normas e de todas as práticas na vida monástica. É o fundamento absoluto da espiritualidade monástica. Com isso, São Basílio vem a purificar a “ideologia” do monaquismo anterior, que muitas vezes continha elementos dúbios, procedentes da filosofia neoplatônica e estoica, e até de religiões mistéricas.
Em tudo o que Basílio afirma, ele vai primeiro ouvir a Sagrada Escritura, ou vai ler a Sagrada Escritura. Vai primeiro ouvir a Sagrada Escritura para depois compor as suas ideias. A Sagrada Escritura é fonte de todas as normas e regras. Norma para a prática das virtudes, para todo o comportamento, para o que se deve e o que não se deve fazer, para as relações comunitárias e até para as coisas práticas na vida comunitária concreta.
São Basílio sustenta um princípio de que, no tocante à Sagrada Escritura, é o Espírito Santo que nos fala diretamente. Por isso, para ele, a Sagrada Escritura não necessita de interpretação; é necessário colocar-se à escuta do Espírito e basta. Não são necessários recursos auxiliares para a leitura da Palavra de Deus, como não é necessário acender velas quando brilha o sol.
Inserção na Igreja. Outro ponto importante em São Basílio é a inserção da comunidade monástica na Igreja. Os ascetas ou monges de Basílio têm de participar da vida da Igreja. Quando Basílio fundou as suas comunidades, pensou na Igreja como um núcleo eclesial. Basílio tinha em vista restaurar o vigor original da Igreja. Ele acreditava na utopia da primitiva comunidade de cristãos. Vivendo em profundidade o mandamento da caridade e realizando a comunhão dos carismas, essas comunidades iriam contribuir para o crescimento e para a unidade do Corpo de Cristo total, que é a Igreja.
O próprio Basílio deu seu próprio exemplo de serviço à Igreja quando, mesmo estando determinado a viver o ideal ascético, ouviu a voz da Igreja e aceitou o episcopado e dedicou-se intensamente à defesa da fé e ao pastoreio do povo de Deus. Historicamente, os mosteiros que seguiam as “Regras” de São Basílio, em todos os lugares, cumpriram importante papel pastoral, de serviço à Igreja, e mesmo de serviço social, de serviço à comunidade humana. Diz o Papa Bento XVI:
“São Basílio criou uma vida monástica muito particular: não fechada à comunidade da Igreja local, mas aberta a ela. Seus monges formavam parte da Igreja particular, eram seu núcleo animador que, precedendo aos demais fiéis no seguimento de Cristo e não só da fé, mostrava sua firme adesão a Cristo – o amor a Ele – sobretudo com obras de caridade. Esses monges que tinham escolas e hospitais, estavam ao serviço dos pobres, assim mostraram a integridade da vida cristã”.
Ordem de São Basílio Magno
A atual Ordem de São Basílio Magno, presente também no Brasil, fazendo jus à sua denominação, fundamenta-se sobre os ensinamentos espirituais de São Basílio Magno, e tem o santo capadócio como seu mentor, mestre e patriarca.
O monaquismo de raízes basilianas difundiu-se em terras da Rush-Ucrânia praticamente desde a sua cristianização. Já no século XI monges se estabeleceram nas cavernas de Kiev. Os grandes pioneiros do monaquismo basiliano em terras da Rush foram Santo Antonio, dito “das Cavernas” (+1073), e São Teodósio “das Cavernas” (+1074). De Kiev, o monaquismo se difundiu rapidamente pelos territórios vizinhos.
Foi justamente no vizinho território da Bielorússia, na época fazendo parte do Reino Polono-Lituano e pertencendo ao bispado metropolitano de Kiev, que foi fundada a atual Ordem de São Basílio Magno. No entanto, pode-se dizer que o berço da atual comunidade basiliana foi o mosteiro da Santíssima Trindade em Vilnius, Lituânia. Nesse mosteiro revigorou-se o espírito basiliano por obra do santo mártir Josafat Kuntsevytch e de seu colega José V. Rutskey.
No entanto, foi em 1617 que Rutskey, já bispo metropolita de Kiev, conseguiu reunir num encontro em Novhorodetchi, Bielorússia, religiosos de 5 mosteiros e foi então criada a primeira federação basiliana sob o nome de “Congregação da Santíssima Trindade”. Rutskey tinha elaborado um Estatuto em base das Regras de São Basílio, acrescentando as chamadas “Regras Particulares”, uma espécie de Diretório com normas práticas para a comunidade. Era a primeira infância da nossa Ordem. Rutskey tinha em mente introduzir na nossa Igreja o modelo ocidental latino de organização: confederação dos mosteiros (isto é, os mosteiros tendo uma única regra, um único superior, denominado “arquimandrita”, com um sistema de gestão por capítulos…). Fez isso, sem pretender latinizar a comunidade
Rutskey quis outrossim inserir os religiosos profundamente na vida da Igreja (ideia originária de São Basílio): a partir daí os basilianos dedicam-se à pastoral, à educação, à imprensa…
A comunidade basiliana só foi crescendo: na metade do século XVIII havia em toda a região 202 mosteiros basilianos, com mais de mil religiosos, 6 seminários, mais de 20 escolas de propriedade da Ordem, várias gráficas e editoras. O século XVIII foi chamado de “século de ouro” da Ordem Basiliana.
No século XVIII surgiu propriamente o nome de “Ordem de São Basílio Magno”, quando no ano de 1743 num capítulo uma outra Congregação basiliana surgida na Ucrânia (Congregação do Patrocínio da Mãe de Deus) se uniu à Congregação da Santíssima Trindade sob o nome atual.
Em 1780, a Ordem foi dividida em 4 Províncias (Lituania, Polonia-Zakarpátia), Bielorússia e Galícia) e no final do século XIX, ela estendeu sua presença ao continente americano. O primeiro a receber um missionário basiliano foi o Brasil, quando aqui chegou o padre Silvestre Kizema, em 1897. Posteriormente, os basilianos desembarcaram no Canadá (1902), nos Estados Unidos (1907) e Argentina (1908). Todas as missões tornaram-se Províncias em 1948, sendo que a americana desmembrou-se da canadense, e a argentina tornou-se vice-província.